domingo, 13 de abril de 2014

Love Letters

Metronomy                                                                                9/10
Because Music, 2014





"Agradáveis surpresas"


   Que será de nós quando a surpresa se acabar. A surpresa de descobrir um artista por mero acaso e de se maravilhar com a sua música. A surpresa de ouvir uma faixa pela milésima vez e encontrar aquele detalhe que muda tudo. A surpresa de odiar um álbum até ao dia em que, de repente, deixamos de odiá-lo. É algo que tudo nos dá e que ninguém nos pode tirar. Quero dizer com tudo isto: indo eu ouvir este álbum à espera de pouco ou menos, dos incontáveis sentimentos que me provocou, só um se poderia destacar dos restantes - a surpresa.  

   O quarto álbum dos Metronomy é, muito sucintamente, brilhante a todos os níveis. Mal comparada, a experiência de ouvir este álbum seria o equivalente a encontrar aquela música da nossa infância de que tanto gostávamos mas com a qual não tinhamos contacto há anos. De tal forma aborda-nos "Love Letters": o disco remete-nos para uma realidade abstracta onde, mesmo não sendo tudo felicidade, podemos encontrar imagens, momentos e emoções com os quais nos identificamos e que tornamos nossos. O nível de sentimento que este álbum transporta consigo é por vezes verdadeiramente inacreditável, fruto de uma produção fantástica, entrega comovente e letras inusitadamente tocantes.

   Líricamente, "Love Letters" é uma criança, à qual nos afeiçoamos instantaneamente: os versos dos Metronomy atingem-nos com um carinho e uma doçura irresistíveis, e a sua propositada infantilidade tanto mais contribui para o seu tão curioso apelo. Apesar de tratar temas como o amor, o sofrimento, a atracção e a angústia, este LP é desprovido da malícia e da promiscuidade da qual tantos outros álbuns usam e abusam. "Love Letters" é inocente ao mais puro nível, e é a inocência que utiliza como arma para nos render. "I've gotta beam my message to you/Straight from the satellite/'Cause girl we're meant to be together", canta Mount na abertura de "The Upsetter", onde mais à frente se ouvem desabafos confusos de "You're really giving me a hard time tonight". A faixa-título remete para o amor de escola primária ("Love Letters' all I see/On every day I read/The bits of yellow paper/Addressed from you to me"), enquanto que a agradável "Month of Sundays" assiste à promessa de "I'll take you away from this horrible town". Simples, sincero e absolutamente encantador.

   Já melodicamente e a nível instrumental, torna-se difícil encontrar falhas a apontar a este LP. "Love Letters" tende a ocupar pouco espaço, evitando sobrecarregar o ouvinte com timbres e sons desnecessários. Mas os seus tons são esteticamente irresistíveis e sempre maravilhosamente orquestrados, estabelecendo um ambiente surpreendentemente acolhedor. É o caso da segunda faixa, "I'm Aquarius", onde um leve resquício de sintetizador é acompanhado por uma discreta batida electrónica e incisivos vocais de apoio; ou de "Reservoir", uma das melhores músicas deste disco, que carrega teclas dançantes, um belíssima entrega vocal e um sentimento enorme. "Never Wanted" estabelece um estado de espírito com precisão assoberbante, unindo cânticos de "Never wanted, never needed" e "Does it get better?" a uma guitarra solitária, e "Month of Sundays", talvez a mais convencional canção de rock aqui presente, viaja por guitarras entrelaçadas e arpeggios ondulantes, num ânimo ao mesmo tempo intenso e descontraído.

   Não obstante, os Metronomy trazem-nos um álbum pop disposto da forma mais esquizofrénica possível: as suas agradáveis melodias parecem estar enclausuradas sob uma estrutura iminentemente estranha aos nossos ouvidos, não deixando de soar, apesar de tudo, absolutamente fantásticas. Veja-se "Monstrous", que com seus arranjos alienantes ainda é capaz de agregar em si um ânimo verdadeiramente horripilante, ou "Boy Racers", uma faixa instrumental que, com seus quatro minutos e vinte, possui tanto de peculiar quanto de emocionante. A acrescentar, a banda emprega aqui recursos que poucas vezes se encontram em lançamentos do género, e que dão uma nova dinâmica à musica dos Metronomy: o elementar mas banhado em sentimento solo de guitarra no final de "The Upsetter"; a prolongada introdução de "Love Letters", construída em texturas de belíssimos sopros, que mais tarde retornam para encerrar a faixa; o invulgar interlúdio de "The Most Immaculate Haircut" ou os ascendentes sintetizadores espalhados por "Call Me".

   "Love Letters" é de facto um álbum como poucos são. O seu inocente deslumbre é prova viva de que a música não deve ser filosófica, contemplativa ou tecnicamente complexa para ser apreciável. De um sentimento incrível, o disco pega em todas as melhores qualidades dos Metronomy e combina-as em dez músicas que vão ficando cada vez melhor com o tempo. Em toda a sua singeleza, "Love Letters" é uma surpresa das mais agradáveis.

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