domingo, 13 de abril de 2014

Love Letters

Metronomy                                                                                9/10
Because Music, 2014





"Agradáveis surpresas"


   Que será de nós quando a surpresa se acabar. A surpresa de descobrir um artista por mero acaso e de se maravilhar com a sua música. A surpresa de ouvir uma faixa pela milésima vez e encontrar aquele detalhe que muda tudo. A surpresa de odiar um álbum até ao dia em que, de repente, deixamos de odiá-lo. É algo que tudo nos dá e que ninguém nos pode tirar. Quero dizer com tudo isto: indo eu ouvir este álbum à espera de pouco ou menos, dos incontáveis sentimentos que me provocou, só um se poderia destacar dos restantes - a surpresa.  

   O quarto álbum dos Metronomy é, muito sucintamente, brilhante a todos os níveis. Mal comparada, a experiência de ouvir este álbum seria o equivalente a encontrar aquela música da nossa infância de que tanto gostávamos mas com a qual não tinhamos contacto há anos. De tal forma aborda-nos "Love Letters": o disco remete-nos para uma realidade abstracta onde, mesmo não sendo tudo felicidade, podemos encontrar imagens, momentos e emoções com os quais nos identificamos e que tornamos nossos. O nível de sentimento que este álbum transporta consigo é por vezes verdadeiramente inacreditável, fruto de uma produção fantástica, entrega comovente e letras inusitadamente tocantes.

   Líricamente, "Love Letters" é uma criança, à qual nos afeiçoamos instantaneamente: os versos dos Metronomy atingem-nos com um carinho e uma doçura irresistíveis, e a sua propositada infantilidade tanto mais contribui para o seu tão curioso apelo. Apesar de tratar temas como o amor, o sofrimento, a atracção e a angústia, este LP é desprovido da malícia e da promiscuidade da qual tantos outros álbuns usam e abusam. "Love Letters" é inocente ao mais puro nível, e é a inocência que utiliza como arma para nos render. "I've gotta beam my message to you/Straight from the satellite/'Cause girl we're meant to be together", canta Mount na abertura de "The Upsetter", onde mais à frente se ouvem desabafos confusos de "You're really giving me a hard time tonight". A faixa-título remete para o amor de escola primária ("Love Letters' all I see/On every day I read/The bits of yellow paper/Addressed from you to me"), enquanto que a agradável "Month of Sundays" assiste à promessa de "I'll take you away from this horrible town". Simples, sincero e absolutamente encantador.

   Já melodicamente e a nível instrumental, torna-se difícil encontrar falhas a apontar a este LP. "Love Letters" tende a ocupar pouco espaço, evitando sobrecarregar o ouvinte com timbres e sons desnecessários. Mas os seus tons são esteticamente irresistíveis e sempre maravilhosamente orquestrados, estabelecendo um ambiente surpreendentemente acolhedor. É o caso da segunda faixa, "I'm Aquarius", onde um leve resquício de sintetizador é acompanhado por uma discreta batida electrónica e incisivos vocais de apoio; ou de "Reservoir", uma das melhores músicas deste disco, que carrega teclas dançantes, um belíssima entrega vocal e um sentimento enorme. "Never Wanted" estabelece um estado de espírito com precisão assoberbante, unindo cânticos de "Never wanted, never needed" e "Does it get better?" a uma guitarra solitária, e "Month of Sundays", talvez a mais convencional canção de rock aqui presente, viaja por guitarras entrelaçadas e arpeggios ondulantes, num ânimo ao mesmo tempo intenso e descontraído.

   Não obstante, os Metronomy trazem-nos um álbum pop disposto da forma mais esquizofrénica possível: as suas agradáveis melodias parecem estar enclausuradas sob uma estrutura iminentemente estranha aos nossos ouvidos, não deixando de soar, apesar de tudo, absolutamente fantásticas. Veja-se "Monstrous", que com seus arranjos alienantes ainda é capaz de agregar em si um ânimo verdadeiramente horripilante, ou "Boy Racers", uma faixa instrumental que, com seus quatro minutos e vinte, possui tanto de peculiar quanto de emocionante. A acrescentar, a banda emprega aqui recursos que poucas vezes se encontram em lançamentos do género, e que dão uma nova dinâmica à musica dos Metronomy: o elementar mas banhado em sentimento solo de guitarra no final de "The Upsetter"; a prolongada introdução de "Love Letters", construída em texturas de belíssimos sopros, que mais tarde retornam para encerrar a faixa; o invulgar interlúdio de "The Most Immaculate Haircut" ou os ascendentes sintetizadores espalhados por "Call Me".

   "Love Letters" é de facto um álbum como poucos são. O seu inocente deslumbre é prova viva de que a música não deve ser filosófica, contemplativa ou tecnicamente complexa para ser apreciável. De um sentimento incrível, o disco pega em todas as melhores qualidades dos Metronomy e combina-as em dez músicas que vão ficando cada vez melhor com o tempo. Em toda a sua singeleza, "Love Letters" é uma surpresa das mais agradáveis.

sábado, 22 de março de 2014

Blood Red Shoes

Blood Red Shoes                                                                        8/10
Jazz Life Records, 2014





"Uma afirmação de pura energia"


   Há quem diga que o rock anda morto. Não de qualquer tipo, no entanto: aquele rock sujo, excessivamente distorcido, atrevido, que outrora incomodava vizinhos e levava multidões ao delírio com seus riffs esmagadores e potência soberba. Há quem diga que já deixa saudades. Que os ronronares de bateria foram substituídos por "beats" electrónicos, as guitarras vibrantes por sintetizadores flácidos, e o espírito de revolta pela ganância comercial. Que os tempos de boa música já vão longe. A estes, digo: é graças a bandas como os Blood Red Shoes que tudo o que disse acima é absolutamente falso. 

   "Blood Red Shoes" não é perfeito, mas combina de forma brilhante o minimalismo de estúdio com uma atitude implacável para a criação de um som pesado, divertido e consistentemente apreciável. O quarto álbum dos britânicos Laura-Mary Carter e Steven Ansell não deixa de ser, apesar de tudo, bastante nostálgico: em muitos momentos lembra o som despojado do punk e do rock dos anos 70, e o seu tom é claramente emprestado do movimento "garage rock" do início dos anos 2000. Mas este permanece sempre fiel à personalidade dos Blood Red Shoes, levando o cunho marcante da banda não obstante os caminhos que percorre. Por riffs memoráveis, batidas incríveis e refrões arrebatadores, a banda traz-nos doze músicas de grande qualidade, raramente perdendo o interesse dos seus ouvintes.

  Um dos maiores trunfos de "Blood Red Shoes" está, sem dúvida, nas suas guitarras. O seu timbre é fantástico, sempre tão vivo e marcante, e a sua distorção rasgante proporciona momentos de pura êxtase ao longo deste disco. Como na primeira faixa, "Welcome Home", um feroz aglomerado de riffs de guitarra que abre o disco de forma espectacular. "An Animal" e "Don't Get Caught" são outros grandes destaques, talvez os maiores de todo este LP. Dançando por métricas conflituantes, são dotadas elas próprias de linhas de guitarra extraordinárias, demonstrando muito a ambição trazida por este álbum, não obstante as suas tão óbvias influências do "garage" e do "post-punk revival". Estas e outras, como "Everything All at Once", "The Perfect Mess" e "Grey Smoke" conferem ao álbum a potência e vivacidade de que se utiliza para cativar instantaneamente.

   Músicas como "Far Away" e "Stranger", por exemplo, abornam-nos de forma diferente: os tons distorcidos de guitarra estã lá, mas não é através deles que os Blood Red Shoes interagem com o ouvinte. Não podendo ser legitimamente rotuladas de "comerciais", estas faixas gozam de uma ênfase maior no liricismo, melodia e musicalidade, procurando demonstrar de forma distinta as capacidades desta banda. Contudo, fica o sentimento de que estas "jogadas pelo seguro", se quiserem, não são tão bem sucedidas como aquelas que revelam o lado mais agressivo e rasgante da dupla. É o que ocorre também com "Cigarettes In The Dark", o mais próximo de uma balada que se encontra por aqui, e a encerradora "Tightwire" que, regendo-se pela melodia cíclica do seu refrão, acaba por se revelar demasiado repetitivo. Mesmo não sendo um aspecto completamente negativo, falhas pontuais como estas são o que separam este álbum do verdadeiro primor.

   A nível instrumental, a par da já referida primazia das guitarras, a bateria é exemplar, explodindo em frenesins de tambores e pratos com o melhor sentido de oportunidade. O baixo, no entanto, acompanha as guitarras passo a passo, raramente se individualizando, e deixando um pouco a desejar no que diz respeito aos caminhos que poderia seguir. As componentes electrónicas e sintetizadores raramente assumem a posição de protagonista, mas são quase sempre estrategicamente dispostos e disfrutam de uma boa congruência com a restante instrumentação. O conteúdo lírico do disco complementa bem o seu tom geral: "An Animal" assiste a gritos de "Coiled like a spring I'm ready to explode/Yeah I'm an animal that can´t be controlled", enquanto que "Everything All At Once" traz a impaciência de "I'm not waiting for a future that may never come", e "Far Away" o desespero de "We could just go/Far away/Out of sight". Os Blood Red Shoes sabem bem o que querem, e não estão dispostos a esperar para o ter.

   "Blood Red Shoes" não é intelectual, filosófico, profundo ou tecnicamente complexo. Mas é uma completa afirmação de energia, garra e vivacidade, levada a cabo por dois músicos com uma entrega louvável. O álbum pode não ser o mais competente de Carter e Ansell, mas deixa estabelecido que os Blood Red Shoes são um duo a ter em atenção no futuro. Há quem diga que o rock anda morto. Eu penso que não.

domingo, 9 de março de 2014

G I R L

Pharrell Williams                                                                            6/10
Columbia, 2014





"Uma queda a pique"


   "2013 foi o ano de Pharrell", lê-se na crítica a este mesmo álbum da Rolling Stone. Disto, duvido que muitos discordem: se houve nome que passou por todas as bocas neste passado ano (exceptuando casos mais controversos), foi o do cantor, compositor e produtor Pharrell Williams. Quem ainda não o conhecia pelo seu trabalho com N.E.R.D., The Neptunes ou pelo seu primeiro álbum a solo, "In My Mind", certamente passou a estar familiarizado com o seu nome, seja pela sua excelente colaboração com os Daft Punk em "Get Lucky" e "Lose Yourself to Dance", seja pela sua participação numa das músicas mais mediatizadas do ano, "Blurred Lines", de Robin Thicke. A acrescer a isto, mencione-se ainda o lançamento de "Happy", primeiro single de "G I R L", que poderia muito bem ter ganho o Oscar na categoria "Melhor Canção Original". 2014 prometia, então, na medida em que seria este o ano em que receberíamos o tão aguardado segundo disco de um Pharrell na sua melhor forma.

   E de facto, "G I R L" é um álbum que demonstra um talento imenso, reiterando as impressionantes capacidades rítmicas e melódicas de Pharrell Williams. Num tom alegre, jocoso e quase sempre de intensa conotação sexual, o músico traz-nos batidas incrivelmente dançáveis e um "groove" sedutor que raramente perde a sua intensidade ao longo deste álbum. O que não invalida, no entanto, o facto deste disco ter ficado ligeiramente aquém das expectativas formadas em torno do "nome de 2013". Começando bastante forte e a um ritmo alucinante, "G I R L" segue depois para um aborrecido conjunto de esquecíveis tentativas de música pop. Aliás, as faixas deste LP parecem quase conscientemente divididas: cinco excelentes esforços, seguidos de cinco despejáveis exercícios. É um facto estabelecido que a inconstância de um álbum dificulta bastante a apreciação geral deste, mas uma queda a pique como a de "G I R L" é simplesmente inaceitável.

   Apesar disto, como disse, o álbum possui excelentes momentos - que, como disse, situam-se quase universalmente na primeira metade deste. "Marilyn Monroe" abre com um lindíssimo quarteto de cordas não totalmente estranho,  cujo subtil toque se repercute pelo resto da música. "Brand New", que conta com a participação de Justin Timberlake, é levada ao colo por um hipnótico "motif" de sopros que, apesar de parecer algo abusivo, é extremamente bem aproveitado, dando uma fluidez bastante característica à música. "Hunter", uma das melhores faixas deste conjunto, é algo prejudicada pelos exagerados agudos de Pharrell, mas as suas imponentes linhas de baixo e guitarra, que muito pedem emprestado do "funk", soam maravilhosamente bem. O refrão de "Gush" é uma brilhante instância pop, liderada por versos de intenso furor e o desconcerto de quem admite "I don't know what's come over me". E "Happy", porventura o melhor momento de todo o disco, emana uma alegria incrivelmente radiante e instantaneamente contagiante, como o próprio título postula. A faixa é extremamente bem sucedida pelo seu minimalismo: com uma instrumentação reduzida, constrói-se em vibrantes paredes de vocais de apoio, por cima dos quais se impõe a voz de Williams, que aqui assume um tom particularmente cativante.

   A segunda parte deste LP, no entanto, traz-nos um Pharrell bastante menos inspirado. Procurando diminuir um pouco o ritmo e abordar-nos de forma mais contida, "G I R L" acaba por perder algo da espontaneidade e do sentimento das primeiras faixas. Não é que estas músicas sejam, em si, más: não me parece que haja aqui muito que possa ser atacado como sendo realmente desagradável de se ouvir. O problema aqui é mesmo da ordem da mediocridade. Não há nada de particularmente interessante a retirar destas faixas, acabando estas por incorrer muito na generalidade da música pop. "Come Get It Bae", com a desmedida colaboração de Miley Cyrus, e "Lost Queen", construída em infelizes murmúrios, são apostas perdidas. "Gust of Wind" e "It Girl" constituem o expoente máximo do genérico, e o mínimo do memorável. E "Know Who You Are", que até usufruiria de grande potencial, é cantada em dueto com  Alicia Keys, que nada contribui para a sua qualidade (o pedido de "I want every woman to make a pledge with me" é quase embaraçoso).

   Impõe-se um sentimento de pura frustração. Por mais que queira gostar do novo álbum de Pharrell Williams, a verdade é que as suas falhas impedem-no de se elevar a uma categoria superior. Por cada componente digna do mais eufórico louvor em "G I R L", deparo-me com uma imperfeição de igual ou maior proporção: a sua rica e belíssima instrumentação contrasta com as suas letras vulgares, obscenas e por vezes até misóginas; o seu tom geral, coerente e que goza de um tema geral, embate-se na inconsistência da entrega de Pharrell Williams nos diferentes momentos; a atitude e forte personalidade de algumas faixas é compensada pela pobreza de espírito de outras. Valeu a excelente abertura do disco, cujas qualidades pesaram mais que os defeitos posteriores, mas feitas as contas, "G I R L" fica mesmo pelo moderadamente bom.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Midnight

Coldplay                                                                                       4.5/5
Parlophone, 2014





   Deixem-me que vos conte uma pequena história, que ocorreu há cerca de três horas. Cheguei a casa, satisfeito por ter sido publicado o meu primeiro artigo no Espalha Factos, e qual não foi a minha surpresa quando, ao ligar o computador, deparei-me com a notícia de que os Coldplay haviam acabado de lançar uma nova faixa, sem qualquer aviso prévio ou informação adicional. Ora, apesar de ser forçado a admitir que em tempos já apreciei Coldplay, a verdade é que há muito tempo não dava atenção à banda de Chris Martin. Mais especificamente, desde o seu terceiro álbum de originais, X&Y, que na minha opinião está bastante bom. Nada de espectacular, mas bom. A este seguiu-se o fraco "Viva La Vida or Death and All His Friends", e o impronunciável "Mylo Xyloto", que só escutei de passagem. Ouvir o mais novo single dos Coldplay não era, portanto, uma das minhas prioridades.

   Acontece, no entanto, que fui de facto escutar a dita "Midnight", e para colocar as coisas de forma simples, é a melhor música dos Coldplay que já ouvi. A instrumentação e arranjos empregues nos álbuns anteriores foram completamente descartados, juntamente com grande parte das tendências comerciais que impregnavam há anos as músicas deste grupo, para a criação de um som denso, profundo e extraordinariamente belo. Uma das mais marcantes características deste novo single é o seu carácter progressivo: "Midnight" constrói-se peça por peça, em encantadores tons de guitarra, sintetizador e sopros que muito fazem lembrar o mais recente trabalho das Warpaint. E esta referência serve perfeitamente para ilustrar a radical mudança que os Coldplay demonstram nesta faixa, que tão pouco tem de "Parachutes" quanto de "Mylo Xyloto". Os timbres, sempre tão limpos e abertos, são divinais, tal como a ligeira reverberação que marca presença ao longo de toda a faixa, mas o verdadeiro protagonismo pertence à voz. Chris Martin impressiona aqui como nunca antes, por versos suspirados e agudos à medida dispostos na forma de uma harmonia vocal absolutamente mesmerizante. 

   Se tenho algo a criticar em relação a "Midnight", é a sua ligeiramente excessiva produção, que por vezes amortece o som, prejudicando um pouco a experiência auditiva da música. De resto, parece-me que esta faixa cairá mal a alguns dos fãs mais dedicados da banda, que decerto estranharão a sua tão peculiar forma e renovado estilo. Não obstante, "Midnight" é feito do material com que se concretizam grandes obras: melodias cativantes, atmosfera envolvente e atitude louvável. Eu, que nunca pensava atribuir uma nota tão alta a esta banda, dou o braço a torcer - nunca os Coldplay estiveram melhor. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Motivational Jumpsuit

Guided by Voices                                                                                2/10
Guided by Voices Inc, 2014





"Quantidade por qualidade"


   Apesar de não conhecer muita coisa destes Guided by Voices, o nome não me era completamente estranho, e confesso que sempre tive alguma curiosidade pela tão prolífica banda de Robert Pollard. Eis que, ao saber do lançamento de "Motivational Jumpsuit", decidi dar uma oportunidade a este grupo, mesmo que tudo me indicasse que sairia desapontado. E daí - pensei - ser este o vigésimo álbum da carreira dos Guided by Voices, e o quinto em apenas dois anos? Muitos já lançaram mais material, e poderia ser que estivéssemos perante alguns dos mais activos e talentosos músicos da nossa era. E daí que o disco tenha 20 músicas, muitas delas de minuto e meio e nenhuma que ultrapasse muito os três minutos? O excesso de material nem sempre prejudica o produto final, e não é preciso mais de dois minutos para congregar uma música de qualidade, como já foi demonstrado das mais variadas formas.

   A diferença, no entanto, entre as três músicas que hiperliguei acima e a grande maioria das faixas aqui presentes é que as primeiras, em detrimento das segundas, deixam transparecer, em maior ou menor grau, densidade, planeamento, em suma - dedicação. "Motivational Jumpsuit" é uma triste tentativa que repele a denominação de "álbum", repleta de meias-ideias, material mal trabalhado e uma atitude ridiculamente desinteressada. Aliás, não conhecendo a banda, custou-me a acreditar que esta miséria de disco é-nos apresentado por uma banda de veteranos, que já leva duas dezenas de trabalhos às costas.

   Ouvir este álbum, faixa por faixa, é uma experiência que possui tanto de engraçado quanto de desolador. Vocais desafinados, ritmos fora de tempo, melodias execráveis, timbres horrorosos, enfim - tudo o que torna um álbum péssimo pode ser encontrado em "Motivational Jumpsuit". Não pensem que me refiro, no entanto, ao seu estilo lo-fi. Muito pelo contrário: admiro bastante a forma como os Guided by Voices buscam um som sujo, despojado, desprovido de efeitos de estúdio e mantido o mais simples possível. O problema aqui é que, apesar de não totalmente inférteis, as ideias de Pollard são manifestamente incompletas e insuficientemente exploradas pela banda, resultando num conjunto de fragmentos musicais aleatoriamente dispostos, que nada têm a ver uns com os outros e que são quase instantaneamente esquecíveis.

   Isto culmina num produto musical quase desagradável de se ouvir, revelando-se difícil percorrer as desmedidas melodias de faixas como "Littlest League Possible", "A Bird With No Name" e "Go Without Packing", a energúmena falta de entusiasmo de "Child Activist" e os abomináveis arranjos de "Jupiter Spin". Em termos líricos, Pollard parece ter tropeçado sobre um admirável conjunto de temas sobre os quais ninguém quer ouvir: "Some things are big and/Some things are small", canta ele na décima-sétima faixa, do mesmo nome. Em "Littlest League Possible", Pollard afirma, com toda a confiança: "Gonna have a lot of fun/Gonna hit a home run/In the littlest league possible". Mais à frente, em "Writer's Bloc", profere, acompanhado de um desastroso riff de guitarra: "It's taking me... hours... days... weeks". Posso comentar sobre muitas coisas, mas recuso-me a discutir a qualidade de letras como estas.

   De facto, há muito tempo que não me deparava com um álbum tão mau quanto este. Ocasionais momentos que demonstram resquícios de alguma musicalidade, como "Save the Company" e "Bulletin Borders" não são páreo para o ridículo montante de material inútil que o álbum agrega. Este esforço mal é digno de um grupo de adolescentes que decidiu reunir-se depois da escola e tocar uns acordes, quanto mais de uma banda da dimensão e influência dos Guided by Voices. Robert Pollard pode bem ser um dos mais prolíficos compositores de sempre, mas oferece pouco em "Motivational Jumpsuit" que o defenda. Mas não se preocupem: o próximo álbum deste grupo sai já em Maio. Quanto à sua qualidade, tenho as minhas dúvidas.






domingo, 23 de fevereiro de 2014

BetterOffDEAD

Flatbush Zombies                                                                                8/10
Electric KoolAde Records, 2013





"Mente forte, corpo firme"


   O hip-hop é um estilo de música curioso. Confesso que, por muitos anos, tive um grande preconceito com este género, algo do qual não me orgulho minimamente. E até hoje em dia, não posso dizer que seja o estilo de música que mais acompanho ou aprecio, mas a verdade é que o rap possui um "algo" subjacente, que o torna muito mais que um mero conjunto de vocais disposto sobre uma batida electrónica. Os Flatbush Zombies, grupo de Brooklyn constituído por Eric "Arc" Elliott, Zombie Juice e Meechy Darko, vêm comprovar exactamente isso na sua segunda mixtape, agregando aí o espírito do movimento "Beast Coast" da costa leste americana. 

   "BetterOffDEAD" é um incrivelmente bem-sucedido esforço, constituindo nada mais, nada menos que 66 minutos de hip-hop agressivo, carismático, e directo: desde a charmosa introdução de "Amerikkkan Pie", somos instantâneamente envolvidos pelas inteligentes rimas e abrasivas batidas dos Zombies. Percebemos, no entanto, que este não é um álbum de hip hop comum, seja pelas impressionantes transições empregues de música para música, que incluem "voice-overs" e emuladores de rádio de todos os tipos, seja por recursos que normalmente não se vêem num disco deste género musical: a bateria proeminente em "Nephilim" e "MinePhuck", que substitui o "beat" de forma bastante convincente; os belissimamente executados vocais de apoio em "Palm Trees", que dão um toque especial à faixa; ou os vários tons de guitarra, piano e cordas dispostos às pinceladas do começo ao fim do disco. Cortesia da produção, que de facto faz um excelente trabalho não só na secção instrumental, mas também na diversidade de texturas, contrastando não raro uma sonoridade mais aberta e dinâmica com uma mistura mais abafada durante este álbum.

   No que diz respeito aos vocais, o grupo apresenta-se como raramente repreensível, tirando partido dos seus recursos e revertendo-os a seu favor: os vocais mais agudos e gritantes de Zombie Juice contrastam com os mais graves e roucos de Meechy Darko, uma mistura que impede a saturação da voz e age em seu benefício. Os seus versos são-nos entregues com uma garra extraordinária, e num tom de voz que, sendo muitas vezes ondulante, não deixa de ter a fluidez necessária ao sucesso destas faixas. Liricamente, o disco também é interessante, não se ficando pelo "Rap 101" (o que é sempre prazeroso de se ver) e abordando temas como a crítica social, a condição humana, a fama e a morte. As suas letras são ambiciosas, sem dúvida, mas com resultados variados, o que acaba por dificultar o aproveitamento total desta mixtape. Versos como "If rap was illegal you bitch niggas wouldn't even write a bar/Shit, I'd probably be behind bars" não deixam de soar bem, mas algumas falhas pontuais impedem este trabalho de ser uma obra-prima lírica, como o imperdoável excesso de "fucks" em "Bliss", a inescrupulosa listagem de drogas em "Drug Parade", o que raramente resulta numa música, e a ocasionalmente mal-calculada "Death" (perdoem-me se não considero "Kurt Angle" uma boa referência musical).

   O álbum disfruta de uma atmosfera muito própria, de carácter muito intenso, pesado e até violento por vezes, que lhe proporciona os seus melhores momentos: a socialmente consciente "Amerikkkan Pie", a aterradora "Nephilim", as negras "Death" e "Death 2", a breve mas alucinante "MindPhuck", a agressiva "LivefromHell", para enumerar algumas. É na interrupção desta atmosfera, portanto, que o disco perde qualidade. Sendo "Palm Trees" a mais óbvia excepção, músicas de natureza mais alegre acabam por perder-se no clima geral do álbum, diminuindo a sua coesão e firmeza. Deixo como exemplo as insossas "222", "GOD Blessed" e "Club Soda".

   "BetterOffDEAD" não deixa de ser, apesar disso, um excelente esforço, e sendo apenas a segunda mixtape de um grupo tão recente, dá animadores indícios sobre o futuro de Elliott, Juice e Darko. Deixando algumas imperfeições de parte, somos aqui apresentados a "beats" originais, versos bem medidos e uma atitude absolutamente implacável. Os Flatbush Zombies trazem-nos um belo conjunto de músicas que faz jus ao nome que defendem e que promete um futuro brilhante para estes rapazes de Brooklyn.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Coming Home

Kaiser Chiefs                                                                                       4/5
Universal Music, 2014





   Ao contrário de alguns dos grupos cujos trabalhos tenho abordado recentemente, posso dizer que estou bastante familiarizado com o percurso dos Kaiser Chiefs. Após a sua aclamada estreia "Employment", em 2005, a banda tem percorrido, mais coisa menos coisa, o caminho esperado de qualquer artista, testando os seus limites e alargando o seu espectro musical com cada álbum que lançam: "Yours Truly, Angry Mob" consagrou-os como grupo de rock de prestígio e influência, sendo talvez o seu melhor trabalho; "Off With Their Heads" levou-os a novas direcções, com uma componente experimental muito forte; e "The Future Is Medieval" manteve esta tendência, possuíndo no entanto demasiadas falhas, e não passando de um esforço medíocre. Este ano, os Kaiser Chiefs trazem um novo disco, "Education, Education, Education & War", com lançamento previsto para 31 de Março. Até lá deixam-nos, para além deste single, a electrizante "Bows & Arrows", a qual, diga-se de passagem, gostei bastante.

   "Coming Home" não perde tempo com apresentações, partindo com a batida a que a banda já nos habituou, acompanhada de um agudo periférico de guitarra que cria um clima eminentemente agradável. A música é, no entanto, liderada por uma formidável linha de baixo, que em muito lembra outros momentos prolíficos deste instrumento na história da banda, como a brilhante "Like It Too Much". Os vocais de Ricky Wilson, eclécticos como sempre, entram de seguida, seguindo uma bela melodia e contendo fortes letras que, dirigindo-se ao exterior, pedem a contemplação de quem ouve, em versos repetidos de "do you wish...?" e "may I remind you...?". Segue-se o refrão, um "outburst" explosivo que traz consigo pratos arrebatadores e guitarras distorcidas a máximo volume. A guitarra parte para o solo no seu melhor momento, exibindo um tom angelicalmente belo que reproduz de perto a melodia introduzida pelos vocais. Com o progredir da faixa, as perguntas formuladas por Wilson convertem-se em respostas, com a segurança de quem diz "we're coming home".

   Apesar das suas imperfeições, "Coming Home" é uma excelente música, que nos apresenta uns Kaiser Chiefs tão revigorados quanto promissores. Muito embora não desejasse que a banda enveredasse tanto pela onda "pop", a verdade é que Ricky Wilson e companhia souberam tomar o melhor proveito da sua renovada sonoridade, mostrando ao mundo que, após um disco menos conseguido, estão prontos para reconquistar terreno no rock contemporâneo. Se há algo que o lançamento deste single sem dúvida afirma, é que "Education, Education, Education & War" é um esforço que promete.

Evil Friends

Portugal. The Man                                                                                7/10
Atlantic Records, 2013





"Irregular brilhantismo"


   Existe algo de muito curioso, diria até perturbador, sobre a forma de fazer música dos Portugal. The Man, forma essa que os torna bastante difícil de categorizar. As suas melodias alegres e inocentes que clamam pela designação "pop" contrastam tanto com a sua instrumentação mais rock, como com a sua atitude e estilo tipicamente indie. Estas características conjugam-se nesta banda do Alasca para a criação de uma sonoridade que, simultaneamente diversa e coerente, doce e agressiva, é certamente propensa a maravilhar. "Evil Friends" pode não ser infalível, ou sequer excelente, mas vem provar a bela dinâmica desta banda e a afinada capacidade dos Portugal para escrever músicas simples, mas com grande potencial.

   O sucessor de "In The Mountain in the Cloud", e o disco que, após seis "full-lengths", veio finalmente dar alguma visibilidade a esta banda, é curiosamente bastante difícil de digerir para quem não está habituado a este estilo de música. As melodias, que são, de facto, bastante contagiantes e de grande qualidade na maioria das ocasiões, são aqui muitas vezes dispostas forma bastante inortodoxa, e quando isto não se verifica são frequentemente confrontadas com texturas incomuns ou efeitos distorcivos. Tudo isto é cortesia de Danger Mouse, chamado a produzir o sétimo álbum dos Portugal. The Man, e cujas marcas são bastante visíveis com o decorrer do disco. Tão visíveis, diria, que este álbum teima em lembrar outro dos recentes trabalhos do aclamado produtor: "El Camino", dos Black Keys. E embora Danger Mouse tenha deixado a desejar em muitos aspectos com este último, não se pode dizer que o seu trabalho tenha prejudicado "Evil Friends".

   O álbum é recheado de excelentes músicas que após a primeira audição deixam o desejo pela segunda, e a sua magia encontra-se não raro nos pequenos detalhes: a inesperada secção de sopro em "Creep In A T-Shirt"; a deliciosa abertura a piano e guitarra da faixa-título, "Evil Friends"; ou os viciantes tons de sintetizador em "Purple, Yellow, Red and Blue" e "Modern Jesus". Destaque também para o baixo e a componente rítmica, irrepreensíveis neste disco, com assinatura inconfundível da produção de Danger Mouse. Para além disso, as estruturas musicais aqui implementadas criam uma atmosfera muito própria, que dá ao álbum um "feel" que o distingue da maioria dos álbuns de rock, e que o torna... bem, épico. Exemplos disso estão espalhados por todo o álbum e vão desde a breve referência de "Creep" a "Evil Friends" e o estrondoso "breakdown" de "Sea of Air" ao belíssimo "outro" de "Atomic Man" e a fantástica introdução prolongada de "Waves", com um piano de base acompanhado por um brilhantemente executado solo de guitarra. O seu expoente máximo, no entanto, é "Plastic Soldiers", que com sua estrutura tripartida, temas desesperadores e instrumentação comovente, é nada mais nada menos que maravilhoso.

   Contudo, há muito aqui que impede "Evil Friends" de ser justamente considerado um "excelente disco". Em primeiro lugar, sofre bastante pela inconstância: sendo eficaz nos seus pontos fortes, acaba por falhar demasiado nos fracos para gozar de verdadeira coerência. "Hip Hop Kids" e "Hallelujah (Holy Roller)" são aceitáveis, mas não vão muito além, caindo um pouco na irritante tendência do "arena rock". Já "Someday Believers" e a encerradora "Smile" são completamente dispensáveis, passando o álbum mais que bem sem a sua perturbadora presença. Liricamente, o disco tem os seus momentos, mas sofre da mesma irregularidade. Versos como "Think we give a shit, well/We don't", "But the military's still got more in its budget" e "When I grow up I wanna be/A rich kid born celebrity" soam, se não ridículos, mal colocados pelo menos. A banda parece buscar uma identidade lírica que, oscilando entre a presunção, a rebeldia e a incerteza, ainda não foi encontrada.

   Não obstante estes factores menos positivos, e o facto da mistura de pianos, sintetizadores e guitarras eléctricas e acústicas parecer muitas vezes exagerada, "Evil Friends" continua a ser um grande disco. Destaque para as excelentes "Plastic Soldiers", "Evil Friends", "Atomic Man" e "Waves", sem dúvida os melhores esforços deste conjunto. Com sua boa dose de batidas intrigantes, refrões arrebatadores e uma riqueza instrumental vastíssima, o sétimo disco dos Portugal. The Man não desapontará a quem lhe der a oportunidade.



domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cheatahs

Cheatahs                                                                                              4/10
Wichita Records, 2014





"Grandes fórmulas, pequenos resultados"


   Se não há muito a ser dito sobre o "background" dos Cheatahs, será talvez pelo pouco que se sabe acerca da novata banda. Oriundo de Londres, o grupo leva debaixo do braço um par de EP's que chamou a atenção da crítica e das gravadoras em 2012, possibilitando o lançamento da sua estreia autointitulada já este ano. E embora admire a sua sonoridade e reconheça o objectivo a que querem chegar, não posso dizer que tenha ficado fã deste "Cheatahs".

   A lista de fontes a que vão beber é mais que clara: do grunge, ao rock alternativo, ao indie e até a algum psicadélico, tudo neste álbum lembra, mais ou menos vivamente, algo que já foi feito e refeito no passado. A originalidade não é, então, um dos pontos fortes dos Cheatahs, a provar por qualquer uma das faixas presentes neste disco. Não é este, no entanto, o meu problema com o seu début. Afinal - poderá ser argumentado - não existe muito de realmente novo na música actual, e a energia, vivacidade e competência que os Cheatahs apresentam no seu homónimo certamente compensará esta incapacidade criativa.

   A isto, respondo: até seria esse o caso, se este esforço não se revelasse, por falta de melhor palavra, tão imperdoavelmente vazio. Desprovido de um rumo que o guie, "Cheatahs" segue por caminhos já desbravados, sem mostrar sequer resquícios de uma entrega ou identidade que compense o seu tão óbvio plágio. Não há nada que o destaque, que o individualize, que o separe das dezenas e dezenas de outras bandas que fizeram mais e melhor que aquilo que fazem aqui os Cheatahs. Muitas vezes lembram um Dinosaur Jr. ou um Nirvana, embora sem a alma, o verdadeiro espírito de musicalidade que tanto os identificou e que deles fez verdadeiros marcos da história da música. O "invólucro" aliciante e promissor que este disco apresenta é contrabalançado por um conteúdo inexistente, sem personalidade, atitude, carisma, sinceridade - oco, se quiserem. 

   E mesmo que isto não seja suficiente para fazer de "Cheatahs" um álbum verdadeiramente fraco, a verdade é que a banda não oferece um contraponto melódico ou sequer lírico suficiente: melodicamente, a pobreza do disco é manifestamente impeditiva do seu sucesso, havendo pouco por onde se pegue (sendo "Fall" e "Geographic" as mais óbvias excepções); e liricamente o panorama é ainda mais desolador (veja-se o single "The Swan", por exemplo), culminando num resultado que muitíssimo deixa a desejar. E como se não bastasse o facto deste álbum ser uma reprodução de uma infinidade de anteriores, ao ouvir as faixas aqui presentes não deixo de ter a impressão de que cada música é uma reprodução da anterior, numa infindável repetição do mesmo som, da mesma batida e das mesmas guitarras. Fazendo pela coesão do álbum, esta característica não ajuda muito à sua dinâmica ou interesse geral.

   De facto, "Cheatahs" é irremediavelmente formulista, repetitivo, absorto e, acima de tudo, aborrecido. Alguns momentos menos repreensíveis, como a interessante "Geographic", a potente "Get Tight" e a graciosa "Fall" não chegam para salvar este disco da sua inescapável mediocridade. É certo que, no início da sua carreira, os Cheatahs ainda podem aprender muito e crescer tanto mais. Mas se há algo que este álbum indica é que não será prudente esperar muito desta banda. Desinspirado, desnorteado e quase inteiramente despejável, "Cheatahs" é um tiro para fora do alvo. 



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Warpaint

Warpaint                                                                                               8/10
Rough Trade Records, 2014





"Atitude, beleza, sincronia"


   Mentiria se dissesse que, há mero mês, estava de todo familiarizado com as Warpaint. Se tanto, sabia isto: é uma banda americana, constituída inteiramente por mulheres e que, de forma muito vaga e abstracta, poderia ser caracterizada como "indie". Pouco que realmente despertasse o meu interesse a ponto de considerar dar atenção a, entre tantos, este grupo em particular. Foi por mero acaso, então, que resolvi pegar no seu segundo álbum de originais, "Warpaint", e dar uma oportunidade à banda de Kokal, Wayman, Lindberg e Mozgawa. E não posso dizer que esteja minimamente arrependido.

   "Warpaint" é um brilhantemente atmosférico esforço que, reunindo influências que vão do pop ao psicadélico, destaca-se como um dos melhores com que tive contacto nos últimos tempos. Numa intensa mistura de estados de espírito que passa tão facilmente pelo excitante como pelo comovente, as Warpaint trazem-nos um excelente trabalho que, desde logo, é candidato a um dos melhores do ano.

   A componente que salta à vista (neste caso, aos ouvidos) desde o primeiro momento é o forte carácter rítmico que este disco apresenta, fundando-se na importante função que a bateria desempenha, se não em todas, na grande maioria das faixas aqui presentes. Desde a inortodoxa "Intro" e a brilhante "Keep it Healthy" até musicas como "Hi" e "CC", a batida assume-se como indiscutível protagonista. Papel este que divide, sem dúvida, com o baixo, que aqui se manifesta em linhas melódicas surpreendentemente cativantes. Em "Disco//very", por exemplo, o baixo chega a ser mesmerizante, repetindo-se em linhas contínuas que acompanham vocais monotónicos para a criação de um extraordinário ambiente. "Feeling Allright", outro dos grandes destaques do disco, traz-nos outra faceta: um baixo dançante acompanhado por um ritmo regular e ao redor do qual gravitam ligeiras passagens de guitarra que dão um toque especial à faixa.

   Um outro aspecto digno de louvor deste autointitulado álbum é a diversidade de texturas e sonoridades que aqui se pode encontrar. De sua parte, a guitarra é por si só bastante ecléctica: dos regulares "strums" aos arpeggios, tremolos e feedbacks, a multiplicidade de técnicas implementadas é de uma riqueza extraordinária. Conta-se entre as músicas que se destacam neste âmbito "Intro", "Keep It Healthy", "Teese", "Love Is To Die", entre outras. As teclas também marcam forte presença, seja na forma do piano tradicional, na comovente encerradora "Son", seja nos cíclicos sintetizadores de "Biggy", outra das excelentes faixas deste conjunto. De resto, as componentes electrónicas pairam ocasionalmente sobre o disco, tal como uma vasta gama de vozes secundárias que tanto mais contribuem para a sua preponderante qualidade.

   O álbum não passa, contudo, sem as suas falhas. Melodicamente é, no seu melhor, interessante, não passando do regular na maioria das ocasiões. No entanto, ofereço o contraexemplo da inesperada mudança de tom em "Love Is To Die", estilisticamente insuperável pelo resto do disco. Algumas faixas sofrem também pela ineficácia: "Go In" não suscita qualquer interesse, "CC" é, na melhor das ocasiões, apenas medíocre, e "Teese", usufriundo de uma excelente introdução de guitarra acústica, depressa segue para uma inexpugnável monotonia. Para além disso, fica a impressão de que o álbum beneficiaria de cortes pontuais, parecendo algumas das maiores faixas excessivamente prolongadas. Mas não será isto o que separará o álbum do seu mérito. Faixas empolgantes, atmosferas absorventes e grande variedade e desempenho instrumental fazem de "Warpaint" um excelente esforço, decerto destinado às mais eloquentes recomendações. Quatro anos após o seu début, as americanas retornam com um disco que reitera a sua mensagem: o nome "Warpaint" veio para ficar. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Open Up (That's Enough)/Rough Detective

The Dead Weather                                                                                  3.5/5
Third Man Records, 2014






   "The Dead Weather" é uma banda americana de blues/garage rock formada em 2009, e constituída por Jack White (The White Stripes, The Raconteurs), Allison Mosshart (The Kills), Dean Fertita (Queens of the Stone Age) e Jack Lawrence (The Greenhorns). Após o lançamento, em 2009, do pesado e "bluesy" "Horehound", e em 2010 do mais experimental "Sea of Cowards", os norte-americanos retornam dois novos singles que antecipam a chegada do seu terceiro álbum de originais que, infelizmente, segundo a própria banda, deverá ser lançado apenas em 2015.

   Até lá, a chegada destes singles dá bons sinais acerca do rumo que a banda toma. Os americanos voltam em grande, mostrando toda a potência e ímpeto que têm a oferecer num par de faixas que tem muito que se lhe diga. Open Up (That's Enough) oscila entre a raiva e a mansidão, com um riff enorme que acompanha os apelos incontidos em formato pergunta/resposta de "open up!" e "that's enough!". Uma faixa esplosiva que, apesar de reciclar ideias, mostra que a banda ainda está em grande forma. Rough Detective, por outro lado, segue a seu passo, abordando-nos de uma outra perspectiva: fundando-se numa forte vertente rítmica, a faixa contém Mosshart e White em dueto, acompanhados de perto por linhas de guitarra e baixo absolutamente arrebatadoras. Subindo a fasquia em relação a Open Up, a música remete para I Cut Like a Buffalo pelo seu "groove" e sequência instantaneamente memorável.

   No entanto, os novos esforços dos Dead Weather deixam ficar a sensação de que os pontos fortes da banda não estão a ser holisticamente aproveitados. A nível melódico, ainda parecem excessivamente pobres, quando comparados com trabalhos recentes de grupos análogos como os Queens of the Stone Age, os Raconteurs ou até mesmo o próprio Jack White no seu álbum a solo. Para além disso, as ideias aqui presentes são demasiado undireccionais, esgotando-se rapidamente e deixando o ouvinte à espera de mais. Não é preciso ser-se grande conhecedor do trabalho desta banda para reconhecer que já fizeram muito melhor no que diz respeito a singles, seja com o ataque de "Hang You from the Heavens" de Horehound, seja com a também formidável "Blue Blood Blues" de Sea of Cowards. 

   Apesar disso, resta muito a ser dito do ainda tão distante terceiro álbum de originais dos Dead Weather. Se serão capazes de ultrapassar os dois esforços anteriores, só o tempo (e a divulgação de mais material) o dirá. Até lá, contentemo-nos com o facto de que, se não melhor, a banda permanece em grande forma, tendo ainda muito de bom para dar.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Right Thoughts, Right Words, Right Action

Franz Ferdinand                                                                                      8/10
Domino Records, 2013




"Maturidade e jovialidade em uníssono"

   "Que músicos são estes que, com seus eléctricos riffs e joviais ânticos, nos cativam instantaneamente, quase que nos obrigando a dançar à sua batida?" - foi este o pensamento que me ocorreu, tal foi o efeito que me causou ouvir pela primeira vez uma música dos Franz Ferdinand. Assim foi com o seu excelente autointitulado début e o seu ainda melhor segundo disco, e assim permaneceu com o seu terceiro álbum, muito embora a queda para o experimental deste último tenha dado aso a alguns tropeções pelo caminho. Este é o grande trunfo dos Franz Ferdinand: mesmo nos momentos de maior atrapalhação, esta banda teve sempre a seu favor o facto de nunca poder ser realmente chamada de aborrecida, e se há algo que "Right Thoughts, Right Words, Right Action" vem a reiterar, é exactamente isso.

   Para ser franco, referir apenas o seu "não-aborrecimento" seria excessivamente redutor, pelo que peço permissão para refrasear: após quatro longos anos de inactividade criativa, os Franz Ferdinand retornam em grande, com um disco que certamente fará jus à espera imposta aos público. Numa decisão que decerto agradará aos fãs de "You Could Have It So Much Better", Alex Kapranos e Nick McCarthy fazem retornar as guitarras proeminentes que, embora dividam muito do espaço deste disco com os mais diversos sintetizadores, parecem ter encontrado a fórmula que melhor se adequa ao estilo da banda: concisão, simplicidade e eficácia. Esta receita vê-se lograda tanto nas faixas mais rápidas e incisivas, como "Bullet", "Love Illumination" e "Right Action", como nas mais contidas e experimentais "Brief Encounters" e "Treason! Animals." Quando não assume o protagonismo, é de louvar também o importante trabalho de base deste instrumento, desempenhando importantes papéis de ritmo e melodia sempre em conjugação com baixo, bateria e sintetizadores uníssonos ("Fresh Strawberries", "Stand on the Horizon").

   Uma das principais alterações trazidas a este disco, no entanto, reside no âmbito lírico. Os versos deste álbum fazem transparecer um grupo muito mais amadurecido que aquele que havia lançado "Tonight: Franz Ferdinand" quatro anos antes, o que, sendo expectável com o passar do tempo, não deixa de se revelar surpreendente nesta banda em particular. Os cânticos de paixão promíscua, sedução e flerte que abundavam nos primeiros três discos são aqui mais-que-pontualmente substituídos por eloquentes reflexões acerca da vida e da condição humana, abordando temas que vão desde o abandono e a separação ("Goodbye, Lovers & Friends") até à mais genuína atracção amorosa ("Stand on the Horizon").
   Em "Brief Encounters" e "Fresh Strawberries", com destaque para esta última, Kapranos reflecte sobre a insignificância da vida humana e o seu carácter passageiro. Partindo da intuição "We are fresh strawberries", o vocalista logo segue para um cenário que possui tanto de belo quanto de desolador: "We will soon be rotten/We will all be forgotten/Half-remembered rumours of the old". Em "Right Action", parece estabelecer-se um contraste entre a premissa central de "acção correcta" e a observação sarcástica de uma realidade em que tudo se quer e nada se faz: "Come home, practically all, is nearly forgiven"; "Almost everything could be forgotten". 
   "Treason! Animals.", porventura a melhor faixa deste álbum tanto lírica quanto melodicamente, pinta um quadro de profundo narcissismo e egocentrismo, com as suas declamações megalomaníacas de "I'm a king so give me a crown" e "Don´t you dare deny it". E embora possa parecer pouco explícita de início, esta metáfora da ilusão de se viver imerso em si próprio revela-se no intenso epílogo da música - "I'm in love with the narcissist/I know for the mirror told me"- culminando no inevitável desfecho - "Something has really really gone wrong".

   Para aqueles que, à minha semelhança, duvidaram das capacidades dos Franz Ferdinand após tantos anos afastados dos palcos, posso apenas dizer que este álbum saberá à agradável surpresa que a qualidade dos seus anteriores esforços nos sugerem. Algumas tentativas menos conseguidas, como o insoço "The Universe Expanded" e o não mais que mediano "Goodbye, Lovers & Friends", em nada reduzem o mérito deste trabalho, que tantos momentos prazerosos tem a oferecer. Saliento ainda a ligeira compressão que se verifica neste disco, que muitas vezes pede uma maior dinâmica sonora; mas até isso é compensado pela excelente execução instrumental e elevada musicalidade que os Franz Ferdinand oferecem neste seu quarto álbum de originais. A nova identidade lírica encontrada por esta banda, aliada à encantadora assinatura rítmica de sempre, sem dúvida eleva "Right Thoughts, Right Words, Right Action" à posição de um dos melhores discos do ano. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

MGMT

MGMT                                                                                               7/10
Columbia, 2013




"Estilo não substitui conteúdo"


   Que esperar de um disco dos MGMT? Desde que chamaram a atenção do público pela primeira vez, em 2008, a banda cujo núcleo criativo é composto por Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser tem tido muito que se lhe diga. Fazendo o seu début com "Oracular Spectacular", um álbum recheado de singles que nos trouxe verdadeiros hinos como "Kids", "Electric Feel" e "Time to Pretend", os MGMT têm-se desviado lentamente da sua tendência inicial de synthpop e rock electrónico, contribuindo para isso o EP experimental "Metanoia" e o brilhante segundo álbum "Congratulations". Ambos trazem-nos faixas mais longas, melodias elaboradas e muito fundadas no psicadélico e estruturas musicais complexas, bem como o uso intensivo de componentes electrónicas, deixando bastante claro para os seus fãs o rumo que o seu terceiro disco decerto tomaria.

   E no entanto, "MGMT" não deixa de parecer inesperado, atingindo-nos, logo ao primeiro contacto, de forma completamente diferente tanto de "Oracular Spectacular" como de "Congratulations". A primeira componente que nos chama a atenção é o seu som denso, pesado, construído através da colocação de camada sobre camada sobre camada de sintetizadores eclécticos, tambores ronronantes e a mais diversa variedade de sons-ambiente e elementos electrónicos que se propagam continuamente. E acaba por ser precisamente por esta razão que o álbum perde qualidade quando comparado com os dois anteriores. De facto, se há algo que se pode afirmar acerca deste disco é que poderia ser muito bom caso não soasse tão mal. A chamada "dynamic range compression" é aqui empregue de forma tão exagerada e abusiva que o álbum torna-se quase doloroso de se ouvir do início áo fim. Se "MGMT" não é melhor que nenhum dos seus antecessores, é porque a mistura aqui implementada contribui fatalmente para tal.

   Embora este aspecto faça com que o álbum seja de difícil apreciação, isto não invalida o facto de haver muito de bom a ser dito sobre "MGMT". A dinâmica do disco é impressionante: a forma como os MGMT vão de inocente alegria a desesperado terror no espaço de poucas faixas merece grande louvor.
  O início de Alien Days, primeira música do disco, traz à mente um amanhecer de primavera - o desabrochar das flores, o canto dos pássaros, os primeiros raios de sol passando por entre as folhas das árvores - criando uma atmosfera surpreendentemente agradável e acolhedora. Estados de espírito semelhantes podem ser encontrados nas alegres "Introspection" e "Plenty of Girls in the Sea", e até na saltitante "Your Life is a Lie", apesar do tema lírico tratado.
    Por outro lado, "Mystery Disease" traz à tona um lado manifestamente mais negro dos MGMT, em meio a versos como "limited sapience" e "perpetual unrest" e a uma regular mas potente batida que impele a música adiante. E "A Good Sadness", com sua introdução original e com um tom quase maléfico, mantém este "feel" negativo até ao final, marcada por uma pulsação electrónica estrategicamente posicionada e mais-do-que-alguma cobertura digital à mistura. Todas estas são grandes faixas que contribuem para a enorme musicalidade que, apesar de tudo, este álbum possui. 

   No entanto, esta abundância excessiva de efeitos artificiais é um dos recursos utilizados que acabam por tornar o álbum menos apelativo do que aquilo a que os MGMT já nos habituaram. A todo o momento somos bombardeados por uma infinidade de estímulos auditivos e modulações sonoras que acabam por distrair o ouvinte daquilo que realmente deve ser apreciado. E o que se diz dos instrumentos pode igualmente ser dito da voz de VanWyngarden que, após filtrada por centenas de ecos, reverberações e distorções, mal se percebe em meio a tanta confusão de sons. Isto é especialmente verdade para as faixas "Cool Song No. 2" e "I Love You Too, Death" que, apesar de terem melodias lindíssimas, acabam por perder-se nas suas divagações psicadélicas. "Astro-Mancy" e "An Orphan of Fortune" também prejudicam  este álbum, vagueando cegamente sem saber bem de onde vêm e para onde vão. 

   O retorno de Goldwasser e VanWyngarden não é, apesar de tudo, mal recebido. Ignorando os já referidos problemas de som, os MGMT trazem-nos um belo esforço que, com faixas de destaque como "Alien Days", "Mystery Disease", "Your Life is a Lie" e "A Good Sadness", promete agradar a muitos fãs da música alternativa. É certo que ainda há muitas melhorias a fazer, parecendo as músicas individualmente ainda bastante unidireccionais. Mas os MGMT conseguem ser bem-sucedidos nas suas imperfeições, permanecendo um dos grandes grupos da cena neo-psicadélica actual. 


domingo, 12 de janeiro de 2014

Modern Vampires of the City

Vampire Weekend                                                                                 5/10 
XL Recordings




"Quando a tentativa se esbarra no erro"



   Não me parece ter havido, em uma qualquer época da história da música, uma banda tão singular como são os Vampire Weekend. O modo como estes rapazes de Nova Iorque misturam as suas bases "indie" com influências como o ska, o afrobeat e até mesmo o pop tornaram-nos alvo de grande especulação, por parte da crítica, quanto àquilo que poderiam oferecer ao mundo da música, mesmo antes do seu auto-intitulado début ter chegado às lojas. O seu segundo disco, o eloquente "Contra", embora discutivelmente menos competente que o anterior, reduz a presença das guitarras e introduz mais componentes electrónicas, criando uma atmosfera completamente nova e deixando-nos na espectativa para o que o seu terceiro esforço nos poderia trazer.

   Assim, "Modern Vampires of the City" é um album que surge para dividir opiniões. Deixando para trás a grande parte das componentes que os prestigiaram em primeiro lugar, Ezra Koenig e companhia parecem focar-se, neste álbum, no lado mais "pop" do que têm a oferecer, com resultados variados que formam um conjunto, no geral, desnivelado. Os novos rumos tomados pelos Vampire Weekend revelam-se abaixo das espectativas formadas em torno dos mesmos, num álbum que, sem dúvida, deixa muito a desejar.

   Mentiria descaradamente, no entanto, se dissesse que nada se aproveita deste novo disco da banda. Pelo contrário: quando bem sucedidos, os Vampire Weekend mostram que estão longe do seu pior, trazendo-nos melodias encantadoras, ritmos contagiantes e uma entrega comovente. A primeira faixa, "Obvious Bycicle", é uma bela balada que reflecte exactamente isso, com a sua mistura interessante de batidas electrónicas e melodias vocais muitíssimo bem executadas. Apesar dos seus defeitos, o single "Diane Young" revela-se uma grande música, sendo talvez a mais "pesada" do grupo (isto é, se "pesada" é um termo que possa ser aplicado a uma banda como os Vampire Weekend). "Finger Back" é um esforço notável, desde a sua linha de percussão pouco ortodoxa até à guitarra acústica que utiliza e a sedutora ponte em vocais falados. E "Young Lion", muito embora passe a impressão de uma ideia inacompleta e acabe prematuramente, possui uma belíssima melodia de piano, lembrando outras da banda como a mais agitada "M79" e a igualmente emotiva "Taxi Cab".
   Finalmente, "Step" impõe-se como o inegável destaque do álbum. Com uma progressão de acordes algo familiar, que se repete continuamente até ao final da faixa, "Step" envolve-nos em vocais sussurrados, círculos de sintetizadores e uma letra que supera todo o repertório da banda (Os versos "Wisdom's a gift, but you'd trade it for youth/Age is an honor, it's still not the truth" estão sem dúvida entre os mais espectaculares que já ouvi).

   Infelizmente, como já referi, os defeitos que este álbum possui são muitos e demasiado flagrantes para serem compensados pelas suas qualidades. "Don't Lie" e "Everlasting Arms" incorrem na mediocridade: não sendo absolutamente terríveis, também não constituem nada de memorável, servindo mais como "fillers", condenados a aborrecer grande parte dos ouvintes. "Unbelievers" e "Hudson" são sem dúvida as piores faixas deste álbum, trazendo-nos pouco ou nada que valha a pena ouvir. "Worship You" procura trazer-nos a vivacidade que tanto cativou os fãs em músicas como "A-Punk" e "Cousins", acabando por perder-se em todo o seu ímpeto - seja pelos vocais de Koenig, que progridem muito rapidamente para que a mensagem seja devidamente apreciada, seja pela bateria galopante, que teima em fazer-se ouvir por toda a duração da música, muito embora já esteja saturada passados meros 30 segundos.
   E depois, temos "Ya Hey". E devo confessar que o primeiro sentimento que me ocorreu após ouvir esta música foi de uma profunda frustação. Isto por uma razão muito simples: "Ya Hey" tinha tudo para ser uma grande música, talvez das melhores de todo o percurso criativo dos Vampire Weekend, e não o foi. Nem o baixo proeminente, a letra inteligente, e as belas melodias dos vocais e sintetizadores foram suficientes para compensar a horrorosa modulação vocal implementada nesta faixa. E a palavra "horrorosa" é utilizada, neste caso, como um eufemismo. Os agonizantes gritos de "ya hey, ya hey" tornam a música numa experiência quase insuportável, arruinando completamente uma ideia bastante promissora. 

   Não há muito mais a dizer sobre o terceiro álbum de originais dos Vampire Weekend. Acrescentaria ainda a qualidade do conteúdo lírico que se pode encontrar espalhado por este disco, que vai desde intuições deprimentes ("You ought to spare your face the razor/ Because no one's gonna spare the time for you") até observações bem-humoradas ("You've got the luck of a Kennedy"). Mesmo assim, e sem desconsiderar as qualidades aqui presentes, as falhas do disco não têm mãos a medir. A bateria parece perdida, surgindo e desaparecendo em situações inoportunas. O baixo nunca se destaca, desvanecendo-se numa mistura pouco nivelada. A guitarra de Koenig, que antes desempenhava um papel pequeno mas decisivo, é aqui praticamente inexistente. E a produção, não sendo manifestamente má, não se revela bem sucedida em trazer à tona as componentes que tanto nos afeiçoaram a Koenig, Batmanglij, Tomson e Baio. A procura por novas sonoridades nunca deixa de ser louvável, mas a ambição dos Vampire Weekend acaba por cair face a um desempenho medíocre e, francamente, àquem das capacidades já demonstradas por esta banda.